Nhem En, o fotógrafo das vítimas do genocídio cambojano
Publicado em 2011-10-09
Pouco antes de serem executados, Nhem En pedia-lhes o favor de olharem fixamente para a objectiva. Que não inclinassem a cabeça. Que não se mexessem. "Tentei que saíssem o mais favorecidos possível", conta o retratista das vítimas do genocídio cambojano. "É esse o trabalho do fotógrafo, não é?", pergunta.
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Nhem En tirava fotos aos que iam ser executados |
Segundo contou ao jornal espanhol "El Mundo", Nhem En tinha 16 anos quando foi recrutado pelos Khmers Vermelhos e enviado para a prisão de Toul Sleng, mais conhecida como S-21. Apenas nove dos 14 mil reclusos que por ali passaram sairam com vida.
Os rostos dos que ali morreram, os seus gestos de resignação, os seus olhares perdidos, estão hoje pendurados nas paredes da prisão, entretanto transformada no Museu do Genocídio de Phnom Penh.
Quando o regime dos Khmers Vermelhos foi derrubado, em 1979, foram encontrados cerca de seis mil negativos nos arquivos da prisão. Homens e mulheres. Velhos e crianças. Muitos deles imortalizados com sinais de tortura recentes. Alguns já sem vida.
O fotógrafo da morte recorda que tinha que remover a venda dos olhos dos reclusos, posicioná-los correctamente e guardam silêncio quando perguntavam o que é que estava a fazer e porque estavam ali. "Sou apenas o fotógrafo", murmurava.
Uma vez interrogados e fotografados, os reclusos eram conduzidos aos campos da morte e executados com um tiro na cabeça ou um golpe de faca do mato. A sua sentença era resumida a apenas um frase: "Destruir-te não envolve qualquer perda, preservar-te não traz qualquer benefício".
Nhem En viaja até ao passado e diz não ter qualque remorso. "Por que haveria de sentir?", pergunta. "Não matei ninguém. Só os fotografei. Fiz o que me mandaram".
O fotógrafo é um dos milhares de cambojanos que participaram no genocídio de Phnom Penh que não irão sentar-se nos bancos dos réus. O acordo assinado entre as Nações Unidas e o governo para procurar justiça limitou os processo a apenas cinco acusados. Kaing Guek Eav, o chefe da S-21, foi sentenciado no ano passado a 35 anos de prisão. Outros quatro dirigentes aguardam que os seus processos sejam retomados.
Nhem En encontrou outro modo de vida ocupando vários cargos políticos no antigo bastião dos maoístas em Anlong Veng, no norte do país. O seu passado como chefe do serviço de fotografia da S-21 permitiu-lhe montar um negócio turístico e ganhar dinheiro extra com a venda de lembranças dos Khmers Vermelhos, incluindo leiloando as máquinas que utilizou para fotografar os que iam morrer.
A sua foi a última voz que muitos dos que morreram ouviram. Dizia-lhes: "Não inclines a cabeça. Olha para a objectiva. Não te mexas".
Se existe um protótipo de selvajaria ele é certamente o genocídio no Cambodja.ZM
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